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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Paredes

O colchão macio afagando seu peito, a lua se derramando nas costas nuas. Vagando entre inconstantes pensamentos ouve um ruído estridente e constante. Deixa seus pensamentos de lado, guardados para depois e segue o som. O ouvido grudado na parede reconhece, é, com certeza, uma gaita de boca. Aquela melodia retoma a sua adolescência, quando embalada por Bob Dylan namorava. Curtiu o som por um tempo, retirou seus pensamentos da caixa e deitou-se disposta a encontrar o dono do som. Nos primeiros raios de som, estava ela no corredor do enorme prédio, as janelas voltadas para o interior permitem a visão do apartamento. Sorrisos, de uma velha senhora que não lhe pareceu muito apta a tocar gaita. Matando as horas no trabalho, o pensamento dominado por uma dúvida. A noite esgueirou-se até a janela vizinha, escuridão. Jogou seu corpo na cama e não tardou para o som penetrar em suas entranhas junto com a brisa que entrava pela janela. Sonhou com um rapaz, olhos azuis, forte, do tipo protetor, perdeu-se em pensamentos ao acordar, junto, à hora do serviço. Assim mesmo, atrasada, demorou-se no corredor. Sorrisos, os mesmos da manha anterior, que pareciam alheios ao que lhe cercava. Filho? Neto? Bisneto? Sobrinho? Pensamentos que lhe atormentaram durante o dia, a semana, o mês. Todos os dias, apenas sorrisos, ela já não retribuía, o sorriso parecia lhe afrontar. A gaita já parecia brincar com ela, a cada noite uma melodia diferente atormentava seu sono. Loiro, moreno, azul, verde, amarelo, gordo, baixo, careca, sem dente, todos que entravam no prédio eram suspeitos. Horas extras no escritório? Nem as via passar, obcecada. Num desses dias, ao voltar tarde encontrou a porta aberta, luz acessa, entrou, um vazio, apenas o corretor imobiliário conferindo o local. Seus tensos músculos agrediam a cama, viu a lua deitar, o sol levantar, na esperança de ouvir, nem que fosse por um minuto apenas a gaita tocar. Na semana seguinte arrumou suas malas, não podia mais suportar viver naquele lugar tão silencioso.

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