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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Cabeça Pendida para a Direita

Cabeça Pendida para a Direita
Os cachos angelicais balançam a cada passada, a cabeça levemente pendida para o lado direito, um par de bolas azuis celestes mira o infinito, seu tênis flutua sobre a calçada desfeita, os graves sons de um dinossauro derramando concreto não lhe perturbam, ruma com uma certeza impassível para um destino ignorado, atravessa uma escolha de vida sem olhar para os lados, quando é despertado subitamente ao trocar olhares com um homem de terno que atravessa seu caminho. O homem distinto sorri complacente para aqueles olhos tristes que passam, os ouvidos calados por um fone não vêem os gladiadores berrando com o dinossauro, desvia da selva rumando pela trilha preta, com passadas largas e calmas esquiva-se das bestas motorizadas. Olha o topo dos amontoados de concreto e vê o sol se despedindo, entregando os últimos suspiros de luz. Adentra em um conjunto de ferro, aço e cimento mirando o porteiro que bebe um jornal, ao cruzar seu olhar, diz olá sem dirigir-lhe qualquer palavra e desaparece na caixa que eleva aos céus. Ao bater da porta volta seus olhos para o folhetim, esquecido por caridade de algum habitante, seus pés encerrados em sapatos de segunda linha contorcem e torcem para que termine o dia, novas criaturas passam e desaparecem pelo corredor de granito e pela caixa dos céus sem fazer-se notar. Devaneia quando percebe ruídos secos vindos da escada, seus olhos desviam, a porta de incêndio abre repentinamente surgindo um calçado semelhante aos ortopédicos complementando-se de um par de pernas azuis comprimindo o corpo que a veste, os olhos cansados percorrem rapidamente a blusa branca colada, que descobre parte da barriga saliente e exalta os seios, batendo em olhos que buscam a liberdade. A boca pequena ampliada pelo batom esboça um sorriso lascivo despedindo-se. Longos cabelos loiros opõem-se as sobrancelhas finas e morenas que recobrem o ansioso olhar verde, o perfume adocicado deixa para trás olhos desejosos ao tomar o rumo da liberdade combinando-se de imediato com os passantes. Seus passos fugidos produzem olhares indistintos, fragmentos de conversas frívolas estimulam seus sentidos, o frescor de pão caminhando pela rua lhe recorda sua fome. Para bruscamente, olha como quem procura algo para ver, cruza seus olhos famintos com as caixas de rodas paradas num sinal e observa duas pequenas crianças sentadas no banco traseiro de uma, sorri e olha para a mulher que está ao volante, recebe um sorriso amarelado e um olhar aflito pela luz verde. Sem vontade de terminar o pequeno atrito entre os filhos, mira-se no espelho e vê pequenas rugas principiarem no rosto, olha pelo pára-brisa e assiste a um formigueiro de pessoas atravessarem as contíguas faixas pintadas na trilha preta, através dos feixes de luzes vermelhas a sua frente vê ao longe o breu tomar conta da cidade, lojas iniciando seu descanso, luzes de casas trabalhando, a cidade tomando outro rumo. Ela se detém num rapaz que lhe parece familiar, atravessando a faixa de tênis, calça jeans escura, moletom azul bebê, com a cabeça pendida para o lado direito, trocam olhares tristes enquanto ele segue seu caminho.

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