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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Praça

Tento aquecer minha mão gelada dentro do bolso, falo com meu zíper inexistente “Devia ter colocado a jaqueta.” Olho para o lado e outro cara está na mesma posição que a minha, pé apoiado sobre a pequena murada olhar ao longe, aguardando. Invejo sua jaqueta, suas mãos não estão no bolso. Minha nuca sente os malditos respingos do chafariz. “Que hora para essa coisa gozar”, berro internamente. Minha paciência já está no limite, cada mulher que vejo arrastando uma criança pela mão imagino ser ela. Logo perco a ilusão. “Diaxo, não tem sacolas”.

Árvores

A fachado do edifício aonde Gabriel trabalha refletia as árvores que se opõem ao emaranhado de prédios, a avenida é tomada por arranha céus, aquela praça bem na frente do edifício era como um ponto verde perdido no meio do cinza. Empresários raramente percebiam, na correria do dia-a-dia, que haviam ali bancos nunca utilizados, poucas pessoas davam conta que talvez aquele poderia ser um ponto de fuga do stress diário. Não raro pessoas que pela primeira vez passavam por alí, ficavam admiradas ao olhar para cima e ver a imensidão daqueles edifícios em contraste com aquelas belas e frondosas árvores.

A entrada do comercial Atlântico era repleta de mármore e granito, o chão era preto brilhante, como os vidros de sua fachada, alto e imponente, abrigava escritórios de várias empresas, em grande acensão a empresa de Gabriel, a RITT Tech, mudara-se para lá havia alguns meses. Seria muito difícil alguém notar naquela manhã de segunda um brilho a mais nas vidraças do Atlântico, a menos de 70 metros, no terraço do edifício Nova York um rifle estava apontado para a cabeça de Gabriel.

Luta

Passos firmes e decididos, roupas sendo atiradas ao chão. Para na porta e numa olhada rápida vê que não tem o que vai precisar em breve. Sai correndo em busca, abre portas, bate outras, finalmente encontra. Está suando frio, tem pressa, sai escorregando os pés no piso de madeira, resvala, fica puto por bater na quina da porta. Atira-se para dentro do banheiro e bate a porta as suas costas exclamando “Que merda, vou me atrasar!”

Cristais

O vento joga pequenos cristais de sal contra minhas canelas, sinto minhas pernas serem lapidadas pela força com que batem. Ao longe vejo aquela frondosa árvore cujo nome é o mesmo do apelido de um dos times de futebol dessa capital. Os pés afundam nos cristais misturados a água, tornando a passada lenta e pesada. Observo os velhos guerreiros com seus instrumentos de trabalho aguardando o momento certo de dar o bote. Sentados em uma tenda estão meus companheiros ansiando a minha volta, as peças branco e pretas postas sobre a mesa aguardam o seis duplo cair na mesa.

Certezas da vida

As pequeninas mãos movem-se lentamente enquanto seguro o travesseiro pendido sob sua cabeça. Tentam agarrar o que vem ao seu encontro. Fito seus olhinhos, que mal viram o mmundo, e não verão. Dou-lhe um último sorriso, fajuto, que por inocência é ignorado. O amontoado de penas e fibras cai pesadamente sobre o rosto angelical, faço força. Acompanho o movimento de seu fraco peito diminuir lentamente, até cessar. Não me comovo, faço apenas o que é certo.

Micro contos

Depois de não ter ouvido ela dizer cuidado, ele acelerou.

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A sirene estava chegando, colocou o fone no gancho e pensou, tarde demais.

Romance

De pé escorado no fogão Roberto disparou:
Sua colega Jaque ligou de novo... vai trabalhar este final de semana novamente?”
Cris sem levantar os olhos do jornal apenas murmurou um seco sim.
Queria saber se este mês vai ter hora extra, todo final de semana é a mesma coisa...
Cris quase rasgou o jornal ao fechá-lo
Se você arranja-se um emprego decente não teria que trabalhar como uma vagabunda.. mas não o Robertinho é ‘free’, trabalha quando quer... vive a vida livre.
Olha aqui Cristina, se você acha que não está bom..... saia do emprego, isso é, se realmente você vai mesmo trabalhar...
Agora tá duvidando de mim é seu babaca?! Trabalho quenem uma cachorra naquele maldito escritório para chegar e m casa e ainda escutar isso, olha Roberto Alves, você tá se passando.
Quem tá se passando é você, não temos um final de semana juntos há três meses.
Para que você quer um final de semana juntos? Assistir o futebol? Dormir....
Cristina jogou o jornal em cima da mesa e correu para o quarto murmurando coisas inaudíveis....

Manhã

A cerração que cobria o vale estava mais densa que o costume, o inverno realmente havia chego, pensou ele. Toda a manhã caminha, ordens médicas, quarenta e cinco longos minutos. Passadas ritmadas, a relva da grama encharcando o tênis. A cabeça já se encontrava no escritório, tropeçou no que pensou ser um galho e caiu de boca comendo terra. Arrastou-se para o alto chutando o monte de folhas úmidas que encobria seu algoz, viu uma orelha.

celeste

Sal em multidão
Percorre caminhos de homem não passante
Arrasta
Pedaços de carne da terra
Lascas de memórias de verões
Linguando canelas mirradas.

Micro contos

Dois dias depois ele lembrou. Não tinha tido que a amava.

Prazer

DEZ! Poderia ser uma excelente nota ao meu ato, mas é o tamanho em centímetros do rasgo em sua barriga. Talhei sem dó agarrado ao cabo frio da lâmina, lembrei do dia em que ganhei a faca, toda em metal com meu nome gravado em relevo, nasceu predestinada ao crime. Vi seus olhos recontorcendo quando cravei, a boca dele até abriu, com certeza deve ter berrado, não ouvi, estava surdo de prazer.

Inspirado em Carlos Drummond de Andrade – A Puta

Inspirado em Carlos Drummond de Andrade – A Puta
Espero, sorriso no rosto, dias dormidos, noites acessas. Alegria, do bem vivido, do mal vivido, até do novo na vida. Fantasias, que incito, que realizo, com cabelos voantes, negros, contraste vermelho do pouco que me veste. Desejos, ardores, me chamam puta, me querem, noite afora, me chamo, sua.

Medos

O ar impregnado de mofo, fios brancos nos cantos da parede, aquele animal cheio de pernas ditando o ritmo do ambiente. Sentado ali no sofá desgastado, uma xícara de café frio na mão, a barba branca por fazer, olhos verdes cristalinos, corpo flácido. O ânimo, inexistente, na memória um tempo que não veio, um sonho que faltou. Luz acesa, casa escura, ruídos abafados pelo silêncio. Na janela um mundo, que não conheceu, nem conhecerá.

Gaveta Superior Direita

Gaveta Superior Direita
Os painéis de madeira escura dão o tom da parede contrastando com o amadeirado claro da porta, um tapete de pelos curtos cobre a extensão da sala. Esparsos pontos de luz dourada ampliam o brilho do copo de uísque sobre a mesa, o gelo já formara gotas de suor. Em ocasiões especiais gosta de sofisticação, abrira uma garrafa que há tempos aguardava por um. Disposta próxima a parede de entrada, a mesa cor de terra, grande e larga, deixa o ambiente carregado. Sobre ela adormecem alguns papéis, um notebook com a tela brilhando e ao lado um charuto consumindo-se em uma densa fumaça. Á frente uma cadeira preta recendendo a couro e salientando seus braços metalizados com o reflexo da tela, com as costas voltadas para a vasta janela, jaz seus pés no carpete. Doze passos as distanciam, espaço preenchido pela foto de uma viaje a qual não esquecera jamais, duas estantes, em uma, troféus que perderam o brilho para a poeira, diplomas e condecorações obtidas ao longo dos anos, a outra repleta de livros sedentos por uma atenção. Absorto em seus pensamentos, junto ao vidro, ereto, cabeça firme, mãos nos bolsos, olha fixamente sem ver para os pontos de luz brilhantes da cidade aos seus pés. A água que bate na janela distorce os reflexos do mar de cimento visto da cobertura traçando formas desconexas em seu rosto sem barba. Seus cabelos ligeiramente grisalhos não demonstram sua idade, o sapato lustroso e o terno preto impecável reforçam sua silhueta projetada na parede do fundo. Ao clarão de um relâmpago cortando o céu negro, ele lembra do conteúdo da gaveta superior direita.

Cabeça Pendida para a Direita

Cabeça Pendida para a Direita
Os cachos angelicais balançam a cada passada, a cabeça levemente pendida para o lado direito, um par de bolas azuis celestes mira o infinito, seu tênis flutua sobre a calçada desfeita, os graves sons de um dinossauro derramando concreto não lhe perturbam, ruma com uma certeza impassível para um destino ignorado, atravessa uma escolha de vida sem olhar para os lados, quando é despertado subitamente ao trocar olhares com um homem de terno que atravessa seu caminho. O homem distinto sorri complacente para aqueles olhos tristes que passam, os ouvidos calados por um fone não vêem os gladiadores berrando com o dinossauro, desvia da selva rumando pela trilha preta, com passadas largas e calmas esquiva-se das bestas motorizadas. Olha o topo dos amontoados de concreto e vê o sol se despedindo, entregando os últimos suspiros de luz. Adentra em um conjunto de ferro, aço e cimento mirando o porteiro que bebe um jornal, ao cruzar seu olhar, diz olá sem dirigir-lhe qualquer palavra e desaparece na caixa que eleva aos céus. Ao bater da porta volta seus olhos para o folhetim, esquecido por caridade de algum habitante, seus pés encerrados em sapatos de segunda linha contorcem e torcem para que termine o dia, novas criaturas passam e desaparecem pelo corredor de granito e pela caixa dos céus sem fazer-se notar. Devaneia quando percebe ruídos secos vindos da escada, seus olhos desviam, a porta de incêndio abre repentinamente surgindo um calçado semelhante aos ortopédicos complementando-se de um par de pernas azuis comprimindo o corpo que a veste, os olhos cansados percorrem rapidamente a blusa branca colada, que descobre parte da barriga saliente e exalta os seios, batendo em olhos que buscam a liberdade. A boca pequena ampliada pelo batom esboça um sorriso lascivo despedindo-se. Longos cabelos loiros opõem-se as sobrancelhas finas e morenas que recobrem o ansioso olhar verde, o perfume adocicado deixa para trás olhos desejosos ao tomar o rumo da liberdade combinando-se de imediato com os passantes. Seus passos fugidos produzem olhares indistintos, fragmentos de conversas frívolas estimulam seus sentidos, o frescor de pão caminhando pela rua lhe recorda sua fome. Para bruscamente, olha como quem procura algo para ver, cruza seus olhos famintos com as caixas de rodas paradas num sinal e observa duas pequenas crianças sentadas no banco traseiro de uma, sorri e olha para a mulher que está ao volante, recebe um sorriso amarelado e um olhar aflito pela luz verde. Sem vontade de terminar o pequeno atrito entre os filhos, mira-se no espelho e vê pequenas rugas principiarem no rosto, olha pelo pára-brisa e assiste a um formigueiro de pessoas atravessarem as contíguas faixas pintadas na trilha preta, através dos feixes de luzes vermelhas a sua frente vê ao longe o breu tomar conta da cidade, lojas iniciando seu descanso, luzes de casas trabalhando, a cidade tomando outro rumo. Ela se detém num rapaz que lhe parece familiar, atravessando a faixa de tênis, calça jeans escura, moletom azul bebê, com a cabeça pendida para o lado direito, trocam olhares tristes enquanto ele segue seu caminho.

Formação de Escritores novamente

Irei postar alguns dos textos produzidos durante o curso de formação de escritores realizado pelo SESC. Antes disso irei colocar aqui os textos do ano passado que estão agora impressos no livro Objetos Embutidos, livro este que foi lançado devido ao curso do ano pasado. Uma coletânea de 2 texto de cada autor.
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